it’s going to end badly. you’re purchasing a small tragedy. […] unless you’re in your eighties and buying a tortoise.
não estava vivo há mais de uma hora e já a minha mãe — que não queria outro cão — o tinha numa mão incapaz de o devolver ao lixo onde fora encontrado dentro de uma luva. a mãe dele era a minha e sempre foi.
no dia em que nasceu foi, com cólicas, pela primeira vez ao veterinário. durante a primeira semana foi lá mais três vezes de emergência com mesmo problema. sem os nutrientes e imunizações do leite da mãe estava mais frágil e susceptível. as hipóteses dele eram menos que poucas. durante as três primeiras semanas custou uma pequena fortuna em leite em pó e teria valido a pena nem que fosse só para lhe poder dar o biberão.
ajudei-o a comer nestum — numa gamela agora bem mais pequena que a pata dele — e limpei-lhe o leite do focinho.
todos os dias de manhã a minha mãe saía para comprar pão, ele ficava à espera que ela chegasse para lhe dar uma broa de mel. ela ensinou-o a pedir dando a pata. uma técnica que ele aperfeiçoou para pedir tudo: era assim que ele pedia comida, festas e para lhe abrir a porta.
adormeci-o no meu colo.
só pôde tomar as primeira vacinas quando fez três meses, até lá tinha um atestado médico para não pôr uma pata na rua. por isso, quando eu saía e tinha de o levar comigo, ele ia no meu colo a espernear e a ganir com todas as forças. com dois meses já era maior que um leitão e pesava vinte quilos. aquelas saídas eram um exercício brutal para os meus braços e impiedosas para a minha dignidade.
deixei de comer carne por causa dele.
o momento decisivo
os meus pais tinham uma casa que precisava de obras para se tornar habitável. tinha-me despedido há pouco tempo e decidi tirar uma semana de férias, ir para essa casa e levá-lo comigo. era eu, ele e o outro cão que tinha vindo como extra com a casa.
a minha ideia era passar a semana a cavar, fazer coisas de homem. mas foi passada a beber cerveja e a ler.
dormi em cima de um colchão no meio da sala e tapava-me com um saco cama. ele tinha uma manta ao lado do colchão.
acordei a meio da primeira noite quase a cair do colchão. ele tinha-se deitado e ocupado mais de metade. expulsei-o. de manhã estava lá outra vez. na noite seguinte repetiu-se o sketch. à terceira noite desisti: 3/4 da cama eram dele. and so it begins.
aos seis meses era do tamanho de uma ovelha e pesava mais que uma vila etíope, demasiado grande para o apartamento. teria de ir para a outra casa, aquela com espaço.
eu ia ter com ele todos os dias [até porque tinha de lhe dar comida], cada vez mais tempo. até que, já depois de ter começado a trabalhar: mudei-me.
a minha cama voltou a ser um colchão no chão. ele dormia numa manta ao lado.
gostava de areia.
não sei explicar afectos e não há dedos num corpo para contar as conversas ao lado. mas também não me interessa. a bem da verdade: quero que se fôda. that is all.
the end of heartache
o ano passado desmaiou algumas vezes. um problema no ventrículo esquerdo. um problema com demasiadas sílabas para eu decorar. três comprimidos por dia para o resto da vida. controlado.
na última semana do ano começou a fazer retenção de líquidos. depois um edema pulmonar. afinal sempre fora de controlo.
no dia três de janeiro, meia-noite e cinquenta, morreu nos meus braços.