foi encontrada à beira da estrada em más condições, no dia catorze de fevereiro. isso não é o mais importante da história.
teria oito anos. gostava de festas na barriga e não tinha vergonha de as pedir ora virando-se rapidamente de barriga para cima, ora delicadamente com a pata. era a definição de meiga.
foi muito forte, tendo em conta… tudo.
as marradinhas no veterinário para irmos embora. e a cauda a abanar. a primeira e última noite, a primeira e última manhã deitados no sofá.
no dia onze de março de manhã, mesmo debilitada, foi três vezes à rua apanhar sol — como que a despedir-se, a sacana. à tarde, rodeada por quem a queria, morreu.
foi demasiado curta esta visita, que tenha valido a pena. valeu, de certeza, pelas poucas semanas em que fomos seis.
na primeira noite que ficou connosco arrancou a grelha do rodapé dos armários da cozinha e escondeu-se lá debaixo. de manhã tivemos de desmontar o rodapé todo e colar a grelha com fita-cola. no final da semana seguinte deitou-se pela primeira vez ao meu lado, a ronronar.
gostava de queijo da ilha.
não gostava da varanda do sétimo andar. mas passava horas deitado no parapeito da janela da sala. no corredor, faziam a curva pela parede.
foi giro vê-lo passar de gato que vomitava com nervoso miudinho, que se assustava — aqueles fantásticos pulos de mola — com a própria sombra ou uma brisa fresca, por um que parecia gostar do barulho dos camiões do lixo em lisboa. que passeava pelo quintal da última casa, saltava o muro e andava na estrada, quase a fazer jus ao nome que lhe deram.
horas passadas, de madrugada, a raspar na caixa.
dormia à sombra da roseira quando o calor apertava. ou dentro do carro. ou na casota que estava junto ao muro.
companheiro de noites de trabalho, ao colo, ou deitado na mochila ou num casaco em cima da secretária. a maior parte das vezes teimosamente encostado ao braço e ao computador.
não perdia uma oportunidade — estava lá em menos de nada — para se alapar no colo. boas noites de sofá e televisão. mesmo quando estava frio e os pés enregelavam.
explorador nato de sacos e ocupa extraordinário de caixas vazias. coisas que já não se fazem.
merda dos rins.
dia dezassete de abril, depois de almoço, no veterinário, morreu.
apareceu no quintal do vizinho como muitos aparecem; pequenito e miar. deixámos comida do nosso lado à espera que comesse e fosse à vida dele, como é costume irem. mas não conseguia trepar a rede.
sem um olho, a não ver bem do outro e com uma ferida no lombo, recolhemo-lo. ficou por casa à espera de alguém, mas ninguém o quis.
assim, dia vinte e sete, ramiro, o zarolho, tornou-se oficialmente nosso. e somos seis.