este site é um trabalho em curso, é um exercício. estou a fazer este remodelação ao vivo e a cores.

cem palavras em londres

não há nada mais estranho — para efeitos deste pequeno texto — do que chegar a esta cidade enorme, com milhões de pessoas e todo aquele movimento, com tudo a acontecer e de cada vez, das poucas vezes, sentir que a porta sempre deu para aquelas ruas.

é como se estar fora fosse o proverbial piscar de olhos.

e querer voltar.

uma rua vazia num bairro residencial em londres
e todo aquele movimento

why, sir, you find no man, at all intellectual, who is willing to leave london. no, sir, when a man is tired of london, he is tired of life; for there is in london all that life can afford.

tomás

em dois mil e dois os meus pais compraram uma casa. a anterior dona deixou ficar um soprador de folhas, um corta-relvas e um cão.

um rafeiro de oito meses, todo preto, metade pastor alemão e metade labrador. ia mandá-lo para o canil, mas os meus pais aceitaram ficar com ele e tornou-se o primeiro cão da família. o cão que veio com a casa.

a anterior dona era uma merda de pessoa. uma que lhe batia com a mangueira e o deixava fechado num viveiro de pássaros que parecia uma estufa. por isso, no início, era medroso e desconfiado. não nos podia ver regar o quintal.

mas era tão meigo.

caçava, coelhos em particular. deixava-os, naturalmente, à porta de casa. sempre agradável. vi-o cavar um buraco com uns cinquenta centímetros e apanhar um rato do tamanho de uma chávena de café.

detestava ciclistas. e foguetes.

queria sempre festas. podíamos ficar horas naquilo. se, por qualquer motivo, ia um instante à rua ladrar voltava para mais uma sessão como se a anterior nunca tivesse acontecido. se passássemos por ele quando estava deitado lançava-nos a pata aos pés para que lhe coçarmos a barriga. horas naquilo.

vai deitar, tomás.

costumava fugir por uns buracos na rede, chegou a estar duas semanas desaparecido. de quando em vez era veterinário com eles, uma vez para suturar o lábio porque quando fechava a boca o canino ficava do lado de fora. tinha um pequeno rasgo na orelha direita.

numa das idas, acho que para vacinas, quis subir para o meu colo. inédito. fiquei sentado na sala de espera com um cão de trinta e cinco quilos em cima das minhas pernas.

doze anos, quase treze.

o pelo do focinho ficou branco. nem sempre nos ouvia chegar e dessas vezes, claro, já não nos esperava ao portão. aproveitou-se disso para abusar dos petiscos e dormir na minha antiga cama. prerrogativa de ser cão velho naquela casa.

andava a comer mal. custou-lhe subir para o carro na última vez que fomos ao veterinário. era a próstata. voltámos com tudo controlado e melhorou um pouco.

no dia vinte e oito de agosto pela manhã comeu tudo, correu um pouco, ladrou. o coração, talvez. à noite, a caminho do veterinário, morreu.

um homem liquidado

sou um homem que gostaria de viver uma vida heróica e de tornar o mundo mais suportável aos seus próprios olhos. se, num momento de fraqueza, de desconcentração, de necessidade, solto vapor — um pouco de raiva ígnea arrefecida em palavras, um sonho apaixonado e atado em imagens — bem, peguem ou larguem… mas não me chateiem!

sou um homem livre e preciso da minha liberdade. preciso de estar só. preciso de meditar na minha vergonha e no meu desespero em reclusão.

o centro do sistema solar

um dia à tarde, num dia em que todos trabalhavam, nós passeámos. não era essa a intenção.

descemos e subimos a avenida, andámos à beira daquele parque. nunca o tínhamos feito.

estava sol.

num filme, esta seria a sequência com a música pseudo-indie, o momento ideal para nos lembrarmos que estas são as pequenas coisas que importam.

mas ali só se ouvia o barulho abafado dos carros. e os nossos passos.

eu sabia que era a última vez. e sabia — muito mais do que tu alguma vez poderias — a importância daqueles momentos.

a cada passo, queimavam.

estava sol.